Entidades setoriais confirmam previsão de freio puxado na economia em 2026

A economia brasileira vai se desacelerar em 2026, preveem entidades setoriais da indústria e agricultura, embora com cifras ligeiramente mais otimistas do que a estimativa do Banco Central. Em seus respectivos relatórios com as perspectivas para o ano que começa, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) são unânimes em citar um cenário adverso que combina juros altos, desequilíbrio fiscal e a volatilidade política típica de um ano eleitoral.

Tanto a CNI quanto a CNA preveem um crescimento de 1,8% do PIB (produto interno bruto) em 2026. Esse resultado, embora modesto, ainda seria ligeiramente melhor que a previsão de crescimento de 1,6% apresentada na quinta-feira pelo Banco Central (BC) – cifra mais baixa desde a contração de 3,3% ocorrida durante a pandemia de Covid-19, em 2020.

“Um dos motivos para a desaceleração da economia é o fato de que o crédito novo para gerar consumo vai diminuir”, diz Mário Sérgio Telles, diretor-adjunto de Desenvolvimento Industrial, Tecnologia e Inovação da CNI, referindo-se à perspectiva de que a taxa Selic permanecerá elevada ao longo do ano. Para ele, no entanto, esse movimento “será amenizado pela expansão fiscal por parte do governo, com a isenção do Imposto de Renda e geração de empregos”.

A política monetária contracionista é justamente o que leva a indústria a prever um crescimento de apenas 1,1% na sua atividade, enquanto o BC elevou sua estimativa para o setor de 1,4% para 1,9% na última atualização. Para a CNI, a indústria de transformação, com previsão de alta de apenas 0,5% em 2026, afetará negativamente o desempenho setorial.

Outra preocupação, segundo Telles, é em relação à construção civil. “Os principais entraves são taxas de juros reais ainda elevadas e a alta das importações”. No entanto, as alterações nas regras do financiamento imobiliário e os anúncios de novos estímulos podem gerar efeitos positivos sobre o segmento, observa ele.

Na contramão do pessimismo entre os industriais, o agronegócio parece encarar 2026 com mais otimismo do que as autoridades monetárias. De acordo com a CNA, o PIB agropecuário, que deve fechar 2025 com uma expansão de 8,3%, ficará em 2,3% em 2026. Já o BC estima esse crescimento em apenas 0,5%, enquanto a CNI considera que a produção agropecuária deve ter crescimento zero no ano que começa, refletindo um possível recuo de 3,7% na produção vegetal, puxado pela retração no cultivo de milho.

Para os serviços, a CNI prevê um crescimento de 1,9%, refletindo a continuidade das dinâmicas que vêm favorecendo o setor, como a transformação digital. O BC, mais cauteloso, elevou marginalmente sua estimativa para o setor de 1,5% para 1,6%. A CNI prevê também um crescimento de 1,9% no consumo das famílias.

Inflação acima da meta

Já com relação à inflação, as entidades setoriais são mais pessimistas que os técnicos do BC: preveem alta de 4,1% (CNI) e 4,16% (CNA), ambas acima da expectativa do BC de fechar o ano com um avanço de 3,5% — o que já está fora do centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, que é de 3%. A expectativa geral do mercado, medida pelo Boletim Focus do próprio BC, também supera a meta oficial de inflação, com uma previsão de 4,16%.

Também o setor de comércio e serviços adota uma posição mais cautelosa. A Fecomércio-RS (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul) projeta em nível nacional uma inflação de 3,9%, com alta de 1,7% do PIB. Contudo, o consultor econômico da entidade, Marcelo Portugal, alerta que as eleições podem alterar o cenário. “Se a disputa for acirrada, a tendência é aumentar o risco de medidas populistas, especialmente no campo fiscal. Uma expansão mais forte pode antecipar tensões em 2027”, disse, mencionando como outro fator de vulnerabilidade a saída de Fernando Haddad do Ministério da Fazenda, prevista para fevereiro.

Já o mercado de trabalho deverá manter a trajetória de desaceleração, segundo a CNI. A entidade prevê que a massa de rendimento real aumentará 3,4% em 2026 e a taxa de desocupação encerrará o ano em 5,6% — acima dos 5,4% registrados no trimestre terminado em outubro de 2025.

Embora a CNI projete o início do ciclo de cortes da taxa de juros para o primeiro trimestre, o ritmo de contratações ainda estará sujeito aos efeitos da política monetária restritiva em 2026, pois a política monetária impacta o mercado de trabalho de forma defasada. A entidade setorial da indústria acredita que o ano começará um ciclo de cortes da Selic, que recuará para 12% ao ano ao final do ano – permanecendo, portanto, em nível fortemente contracionista. A estimativa do mercado, segundo o Boletim Focus, é de que a Selic feche 2026 em 12,25%.

A CNI e a CNA também se mostram céticas quanto à possibilidade de o governo ajustar as contas públicas. Ambas as entidades estimam um déficit primário em torno de R$ 75 bilhões, ou 0,6% do PIB, em linha com a projeção do mercado medida pelo Boletim Focus. “Em ano de eleições, dificilmente o governo cortará gastos. Corremos o risco de a inflação subir, o que é prejudicial para o consumo dos produtos do setor e redução da taxa Selic”, afirma Bruno Lucchi, diretor-técnico da CNA.

Exportações

Quanto às exportações da indústria de transformação brasileira, espera-se um ritmo menor de crescimento, primeiramente pelos efeitos das tarifas dos Estados Unidos, segundo a CNI. Outro motivo para a desaceleração das exportações em 2026 está na agropecuária, com expectativas de uma safra de grãos mais modesta em relação à de 2025, diz a entidade.

Alguns produtos nacionais, tais como pescados, sebo bovino, mel, uvas e álcool etílico, continuam com tarifas adicionais e podem ser impactados. “Se eles não saírem da lista de exceções, estamos projetando um impacto negativo de US$ 2,7 bilhões na pauta agropecuária”, afirma Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA.

A China, por sua vez, vem sinalizando reduzir as importações de grãos para ração animal, especialmente a soja. “Precisamos ficar atentos a isso, já que somos o principal fornecedor para este mercado”, analisa Mori. Outras preocupações em relação à União Europeia são o adiamento da implementação das leis antidesmatamento.

Há expectativas também com relação à abertura do mercado japonês para a proteína brasileira. Apesar das boas perspectivas, alguns fatores podem alterar essas projeções, tais como os resultados das investigações conduzidas pela China em relação aos seus fornecedores.

No caso da indústria, a expectativa é de menos importações de insumos e bens de capital, mas as importações de bens de consumo deverão seguir fortes. O saldo seria uma queda de 1,4% nas importações em relação a 2025.

Em relação ao câmbio, as mudanças nas relações comerciais dos Estados Unidos com o restante do mundo, somadas à percepção de maior risco fiscal americano, podem manter o dólar pressionado frente a outras moedas.

No caso do real, o diferencial de juros (Selic versus juros americanos) deve seguir favorecendo a entrada de capital estrangeiro, contribuindo para a valorização da moeda brasileira, segundo a CNA. Em contrapartida, é possível que a percepção de fragilidade fiscal em um ano de eleições presidenciais no Brasil provoque a saída de recursos e aumente, significativamente, a volatilidade cambial.

Foto: Divulgação/Volkswagen

D1 com Uol

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