O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista à agência de notícias Reuters, que só pretende ligar para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quando sentir que há disposição real para diálogo. Até lá, afirmou que não vai se humilhar.
Segundo o presidente, a intenção é debater o tarifaço com o Brics — grupo de países em desenvolvimento do qual o Brasil faz parte, junto com a China, a Rússia e a Índia, dentre outros.
Lula e Trump, rivais políticos, nunca conversaram.
“Pode ter certeza de uma coisa: o dia que a minha intuição me disser que o Trump está disposto a conversar, eu não terei dúvida de ligar para ele. Mas hoje a minha intuição diz que ele não quer conversar. E eu não vou me humilhar”, declarou Lula.
A fala ocorre no momento em que o governo brasileiro enfrenta uma crise diplomática com os Estados Unidos após o anúncio de tarifas comerciais contra produtos brasileiros, medida adotada unilateralmente por Trump.
A tarifa anunciada por Trump entrou em vigor nesta quarta-feira. Os EUA cobram uma sobretaxa de 50% para entrada de produtos brasileiros no país, a mais alta cobrada pelo governo norte-americano.
Cerca de 35,9% das exportações brasileiras aos EUA serão afetadas, segundo estimativa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
A medida prevê uma longa lista de exceções como suco de laranja, aeronaves civis, petróleo, veículos e peças, fertilizantes e produtos energéticos. A carne e o café, contudo, estão entre os produtos afetados.
Ao ser questionado se a relação entre Brasil e Estados Unidos vive hoje o pior momento dos últimos 200 anos, Lula disse que a crise atual tem origem clara.
“Vamos colocar as coisas do jeito que elas aconteceram. O presidente Trump, categoricamente e publicamente, é contra o multilateralismo. Ele prefere o unilateralismo. Prefere negociar país com país, em vez de negociar por meio da OMC [Organização Mundial do Comércio].”
Nesta quarta, o Brasil acionou formalmente a OMC, a fim de iniciar um processo a respeito das tarifas. O governo brasileiro solicitou consultas aos EUA, etapa anterior à eventual abertura de um painel, mecanismo de julgamento dentro da organização.
A OMC, no entanto, está esvaziada e o próprio governo brasileiro entende que a chance de sucesso é pequena. No entanto, Lula, como defensor da OMC e do sistema multilateral, entendeu que era preciso fazer esse gesto.
Brics
Países do Brics, como a Índia, também têm sido alvo das tarifas de Trump. O presidente norte-americano alega que seu país tem déficits comerciais com essas nações. Não é o caso do Brasil, com quem os EUA têm superávit comercial.
“Vou tentar fazer uma discussão com eles [Brics] sobre como é que cada um está dentro da situação, qual é a implicação que tem em cada país, para a gente poder tomar uma decisão”, disse Lula.
“É importante lembrar que o Brics tem dez países no G20”, completou, em referência ao grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo.
Ataque à soberania
Um dos motivos alegados por Trump para o tarifaço em cima do Brasil é o processo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu aliado, é réu por tentativa de golpe de Estado. Trump chama o processo de “caça às bruxas”, apesar de seguir todos os trâmites da Justiça brasileira.
“Não é uma intromissão pequena, é o presidente da República dos EUA achando que pode ditar regras a um país soberano como o Brasil”, pontuou Lula.
Sem retaliação
Lula disse ainda não pretende retaliar os Estados Unidos com novas tarifas sobre produtos americanos, mesmo diante do tarifaço imposto por Washington a exportações brasileiras.
Uma sobretaxa aos itens norte-americanos poderia aumentar a inflação no Brasil.
“Não vou fazer, porque eu não quero ter o mesmo comportamento dele. Quero mostrar que, quando um não quer, dois não brigam. Eu não quero brigar com os EUA”, disse Lula.
Foto: Adriano Machado/Reuters
D1 com g1