A crise financeira dos Correios alcançou novo patamar. A estatal registrou prejuízo de R$ 1,72 bilhão no primeiro trimestre, o que significa mais do que o dobro das perdas apuradas em janeiro a março do ano passado (R$ 801 milhões). A divulgação do balanço não detalha causas do desempenho, mas os números da empresa mostram que ela teve o pior resultado para um primeiro trimestre desde 2017.
Os últimos anos foram marcados por perdas (e problemas) em série e desde 2022 os Correios fecham as contas no vermelho. A estatal é chefiada por Fabiano Silva dos Santos, ligado ao Prerrogativas, grupo de advogados simpáticos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A estatal se converteu em um foco de tensão no governo, diante da combinação de receita em queda, prejuízos crescentes e forte concorrência no mercado de entregas. As estatísticas do balanço se traduzem em uma operação no dia a dia na qual funcionários e terceirizados relatam atrasos em pagamentos de fornecedores, problemas na manutenção de agências e falta de material de trabalho em algumas localidades.
A empresa disse, em nota, que tem adotado ações para garantir o equilíbrio financeiro e assegurar a manutenção da qualidade dos serviços.
Nos resultados do primeiro trimestre, a empresa diz que “a continuidade operacional dos Correios está assegurada para o ano de 2025”. Em outro trecho, reforça que “a natureza estatal da empresa e a proteção legal, que impede sua descontinuidade, reforça a sua estabilidade operacional, garantindo a continuidade das atividades mesmo diante de desafios econômicos”.
Na mira do TCU
O quadro contábil pode ser ainda mais negativo. A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que a estatal usou mecanismo em desacordo com normas técnicas que levou à redução do prejuízo da estatal, em 2023. Relatório sigiloso da área técnica da Corte, ao qual O GLOBO teve acesso, aponta irregularidade ao efetuar a baixa de uma despesa de R$ 1,032 bilhão.
A cifra estava provisionada (reservada) no balanço para fazer frente ao pagamento de adicional de periculosidade para os funcionários da estatal em atividades externas. O pagamento é questionado na Justiça, e a direção da estatal transformou a dívida em um valor simbólico de R$ 18, em referência às 18 ações coletivas sobre o tema.
A decisão foi tomada com base em uma liminar, portanto, antes do desfecho do processo. Com isso, o prejuízo dos Correios em 2023 ficou em R$ 663,5 milhões. Se o valor total da dívida fosse provisionado, o resultado seria negativo em R$ 1,6 bilhão. No relatório, que ainda é preliminar e precisa passar pelo plenário do TCU, auditores propõem que a empresa refaça a contabilidade em um prazo de 90 dias.
A auditoria transcorreu no segundo semestre de 2024, mas as explicações da empresa foram consideradas insuficientes pela equipe técnica.
“Verificou-se que a reversão (da previsão no balanço) foi realizada em desconformidade com normas contábeis e com as diretrizes previstas na cartilha interna de contingências da própria empresa”, diz parecer técnico do TCU.
Em nota, a empresa afirma que o balanço está “em conformidade com as normas contábeis aplicáveis ao setor público e com respaldo jurídico”, que “não há qualquer irregularidade no procedimento adotado” e que acompanha “com tranquilidade” a análise do TCU.
Anac suspende voos
Em outra frente, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) determinou a suspensão de voos dos Correios a partir de quarta-feira por questões relacionadas ao transporte de produtos perigosos. Os serviços são prestados por terceiros.
A companhia e a agência estão em conversas para evitar a parada e está prevista uma reunião amanhã. Em nota, os Correios afirmaram que estão “comprometidos com o cumprimento integral da legislação vigente” e que o problema decorre “de práticas herdadas de gestões anteriores”.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos de São Paulo (Sintect-SP), Elias Divisa, afirma que as reclamações sobre falta de material nas agências são generalizadas:
— Recebo direto reclamações dos trabalhadores, faltando manga (papelão), durex e até envelope nos caixas para Sedex. Faltam empilhadeiras nos centros de distribuição de cargas.
Neste ano, parte das empresas transportadoras terceirizadas já fez paralisação e alegou falta de pagamento. A situação foi regularizada, mas o problema resultou em acúmulo de cargas nos centros de distribuição.
A empresa afirma que está adotando medidas de otimização de custos, como parte de um plano de sustentabilidade e eficiência operacional. “O pagamento aos fornecedores tem sido feito de forma gradual. A empresa também está realizando a revisão de contratos”, diz o texto.
“A estatal está adotando uma série de ações corretivas e contingenciais para garantir a regularização dos prazos e minimizar impactos nas entregas. Além disso, a empresa está ampliando sua capacidade de distribuição, com operações extras aos fins de semana, e monitoramento diário e dedicado da evolução das entregas”, disse, em nota.
Dívida com o Postalis
As medidas contemplam o encerramento de unidades instaladas em imóveis alugados e localizadas em áreas onde há sobreposição de cobertura por outras agências próximas. “Essa reestruturação é realizada com base em critérios técnicos e operacionais, e não implicará prejuízo à população nem impactará as metas de universalização postal”, garante a estatal.
No Rio, segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Sintect-RJ), Marcos Sant’Aguida, foram fechadas 17 unidades, sendo a maioria em locais cedidos pelas prefeituras, sem custo com aluguel.
Em outra frente, a empresa está devendo duas mensalidades ao fundo de previdência complementar de seus funcionários, o Postalis, no valor total de R$ 274 milhões. O atraso se refere à parte patronal.
O atraso gerou receio entre os trabalhadores, o que obrigou o Postalis a divulgar nota na qual afirma estar “em contato direto e constante com os Correios para tratar do atraso no repasse de contribuições da patrocinadora aos planos de previdência complementar”. A empresa não comentou.
Apesar de os Correios terem anunciado um Plano de Demissão Voluntária (PDV), faltam carteiros, relatam funcionários. Na cidade de Caraá (RS), de oito mil habitantes, existe agência, mas não há quem faça entregas. As pessoas buscam cartas e encomendas na agência, disse o funcionário Carlos Alberto Duarte, do movimento Ativismo Sindical Trabalhadores dos Correios do Rio Grande do Sul.
Sobre a falta de carteiros, a empresa informou que a “convocação dos candidatos aprovados em concurso público será realizada de acordo com a necessidade da empresa e a ordem de classificação”.
No governo de Jair Bolsonaro, a empresa foi incluída no Plano Nacional de Desestatização (PND), mas a proposta não avançou no Congresso. Ao assumir, Lula retirou os Correios do programa.
Ao todo, são 83 mil funcionários e dez mil agências. A empresa anunciou adiamento de férias, retorno ao expediente presencial e plano de demissão voluntária. A meta é reduzir o quadro de pessoal para 80 mil e economizar R$ 1,5 bilhão com ajustes nas áreas administrativa e operacionais.
A Federação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Correios e Telégrafos (Fentect), que reúne 30 sindicatos, recorreu e obteve liminar contra a suspensão das férias agendadas para este ano.
‘Taxação das blusinhas’
Segundo a empresa, apenas 15% das agências são superavitárias. A estatal cita ainda investimentos de R$ 830 milhões ao longo de 2024 e R$ 1,6 bilhão desde 2023, ano em que a nova gestão assumiu.
https://a15c8070756cb20256c74ec7bd9380de.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-45/html/container.html Outro argumento dos Correios para a crise é a perda no faturamento com a “taxação das blusinhas”, tributação de compras internacionais abaixo de US$ 50 de plataformas como as asiáticas, em 2024.
Os Correios eram remunerados por essas empresas porque havia, na prática, isenção para compras em valores mais baixos. Com a tributação, é mais vantajoso para elas contratar transportadoras ou montar estrutura própria.
Mas para Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), essas explicações não bastam:
— Dinheiro não dá em árvore. A Lei das Estatais é muito clara: empresa pública precisa cumprir função social, mas ser economicamente sustentável.
D1 com O Globo