Tarifaço de Trump tumultua logística e cria confusão em contratos de exportação

O tarifaço do presidente Donald Trump lançou o caos na gestão das empresas que exportam para os Estados Unidos. Incertezas e instabilidade de regras, típicas da burocracia do Brasil, são vistos agora no mercado americano, antes conhecido pela estabilidade, relatam empresários, executivos, advogados e consultores ouvidos pelo GLOBO.

Após o anúncio da sobretaxa adicional sobre o Brasil, feito por Trump apenas numa rede social no início de julho, o cenário caótico passa pela logística, por dúvidas em relação às regras e aos contratos de fornecimento e por uma maior complexidade e burocracia — a lista de exceções, com quase 700 bens, lembra o emaranhado tributário brasileiro.

    — A burocracia aumenta sempre quando você tem mais controle do Estado — diz Welber Barral, sócio do escritório Barral Parente Pinheiro Advogados, que foi secretário de Comércio Exterior.

    O brasileiro Luciano Bonaldo, sócio há mais de 30 anos da Netuno USA, empresa baseada na Flórida que importa em torno de 9 toneladas de pescado por ano, relata a surpresa com a instabilidade, em mensagem encaminhada ao GLOBO:

    — É difícil fazer planos com mais de uma semana de antecedência, porque não sabemos o que vai mudar.

    Trump está ganhando a guerra comercial?

    São muitas as dúvidas. A Novus, fabricante de equipamentos eletrônicos de instrumentação e automação industrial de Canoas (RS), ainda está tentando entender como as exceções serão aplicadas. Segundo Marcos Dillenburg, CEO da empresa, que tem metade de seu faturamento no comércio exterior, 80% das vendas para os EUA estão na lista de isenções, mas apenas se forem fornecidos para a aviação civil, “que não é o nosso mercado”, e há também uma preocupação com a fiscalização:

    — Uma coisa é fiscalizar o código tributário que está no invoice (nota fiscal). Outra coisa é validar em qual mercado esse produto será aplicado.

    No campo jurídico, há incerteza sobre os contratos. As operações de comércio exterior são de longo prazo, com datas de entrega e preços. Segundo Gustavo Quedevez, sócio da área de Contratos do Barreto Veiga Advogados, há casos em que é possível comprovar que a mudança tarifária foi um evento de “força maior”, mas o diálogo é o melhor caminho:

    — A gente nunca recomenda que saia notificando, mas que se passe a mão no telefone e entre em contato com o cliente para ver qual a disposição para renegociar.

    Contêiner com 98% de uso

    Ana Caetano, sócia da área de comércio exterior do escritório Veirano Advogados, lembra que as exportações que estão sendo embarcadas agora foram negociadas há meses ou até há anos. Já as vendas fechadas por agora ou nos próximos meses deverão prever em seus contratos a possibilidade de mudança repentina nas tarifas de comércio exterior.

    Na logística, houve uma corrida para embarcar antes que a sobretaxa entrasse em vigor, o que engarrafou as rotas. O nível de utilização dos navios de contêineres que operam entre o Brasil e a Costa Leste dos EUA ficou na casa de 98% nas duas últimas semanas, segundo a consultoria Solve Shipping, mas já há sinais de que, com a sobretaxa em vigor, haverá queda, diz Leandro Barreto, diretor da Solve Shipping.

    Um sinal é que o preço do frete marítimo está em trajetória de queda, num momento em que, sazonalmente, costuma subir.

    A Frooty Açaí, processadora do fruto amazônico que tem três fábricas — Pará, Amazonas e Minas —, já vinha acelerando seus embarques para os EUA desde abril, quando Trump anunciou o primeiro tarifaço. Segundo o CEO Fabio Carvalho, é estoque suficiente para atender a demanda até o fim do ano.

    A marca de moda praia Despi, de Petrópolis (RJ), totalmente voltada para o mercado externo — 70% vão para os EUA, 30% para a Europa —, trabalhou a pleno vapor para produzir e mandar biquínis para o mercado americano.

    — Trabalhei que nem uma louca. Paguei horas extras no sábado e no domingo, para mandar o máximo — diz Despina Filios, sócia da empresa, que tem 40 empregados na confecção e ainda encomenda parte do trabalho a terceirizados, clamando por uma negociação.

    — Nosso presidente tem que esquecer esse negócio de gostar ou não gostar do Trump, porque as pessoas estão negociando em nome dos seus países.

    Avião substitui navio

    A processadora de pescados Frescatto produz pargo e lagosta, basicamente, para exportação, e a sobretaxa de 40% veio bem no auge da produção dos dois frutos do mar, que são selvagens, pescados na costa. Por isso, no início de julho, a empresa decidiu mandar as cargas para os EUA de avião.

    — Houve uma especulação se o 1º de agosto era para a entrada nos EUA ou para o embarque (no Brasil). Conversando com os clientes, nenhum deles conseguiu ter a segurança jurídica de que o embarque serviria. Decidimos não arriscar nenhuma carga que chegasse depois disso. Era 9 de julho, não daria tempo de fazer qualquer embarque marítimo que chegasse antes de 1º de agosto — conta Rafael Barata, diretor de Comércio Exterior da Frescatto.

    A empresa mandou o equivalente a três contêineres de pargo e lagosta por avião. No fim das contas, gastou a mais em vão. O decreto do fim de julho deixou claro que o que fosse embarcado até 6 de agosto escaparia da cobrança adicional. A Frescatto mandou mais três contêineres, na semana passada — dessa vez de navio —, mas tudo isso é pouco perto dos cem contêineres que vão para os EUA todo ano.

    A unidade brasileira da Netzsch, fabricante alemã de bombas para uso industrial, também recorreu ao transporte aéreo antes de saber que não precisava. A fábrica trabalhava numa encomenda para seu distribuidor nos EUA quando foi publicado o post de Trump sobre o Brasil. Em reuniões diárias com o cliente americano, a decisão foi antecipar a entrega do pedido para julho, conta Osvaldo Ferreira, diretor-geral da multinacional no Brasil.

    A Netzsch acabou de investir na expansão de sua fábrica em Pomerode (SC), onde está desde a década de 1970. A unidade catarinense é a maior das cinco fábricas de bombas da multinacional no mundo. Um dos objetivos da expansão era justamente fornecer para os EUA — 7% das vendas da unidade brasileira vão para o mercado americano.

    Com o tarifaço, os EUA talvez passem a ser atendidos pelas fábricas na Europa, lamenta Ferreira, diante de uma situação típica do sistema tributário brasileiro:

    — Vai valer a lógica da tarifa, não a lógica de negócios, da eficiência.

    Além disso, a logística vai encarecer, para além do transporte em si, diz Rodrigo Viti, diretor comercial da Allog, especializada em logística para o comércio exterior:

    — O cancelamento traz uma série de custos para o exportador, porque ele tem que voltar o contêiner, tem o rodoviário de volta, tem o custo de cancelamento que o armador (operador de transporte marítimo) cobra.

    A Allog atende empresas do polos madeireiros e moveleiros do Paraná e de Santa Catarina, que fornecem móveis, cercas, batentes, portas e compensado para a construção civil dos EUA, produtos que não encontram demanda em outros locais.

    Segundo Viti, alguns clientes preferiram mandar suas encomendas para “terminais alfandegados”, estruturas portuárias em que os produtos ficam armazenados, por um prazo, sem dar entrada formal no país. O plano é esperar para ver se há algum alívio nas sobretaxas.

    Na logística das frutas frescas, não tem como esperar nem antecipar. A safra de manga do Vale do São Francisco, na divisa da Bahia com Pernambuco, começou a ser colhida na virada do mês e está sendo embarcada para os EUA, ainda que em menor quantidade, conta Erika Marques, diretora comercial da Ftrade, empresa de logística especializada em perecíveis:

    — Resta saber se o americano vai pagar mais pela manga, ou se o vai trocar por banana.

    Segundo Giorgio Rossi, gerente da Firjan Internacional, divisão da entidade industrial fluminense voltada para o comércio exterior, a incerteza incorre em aumento de custos, e os exportadores terão que refazer seus planejamentos.

    D1 com O Globo

    Gostou Compartilhe..