Após denúncia, governo federal cancela emenda de R$ 26 milhões do DF

O governo federal decidiu cancelar o repasse de R$ 26 milhões em emendas parlamentares que políticos do Distrito Federal pretendiam repassar a uma ONG sediada em Maceió (AL), a 1,5 mil quilômetros de Brasília. A derrubada do repasse ocorre após a coluna publicar reportagens com indícios de que os serviços contratados não seriam, de fato, prestados à população do DF.

Além disso, a coluna revelou que o presidente da ONG escolhida, empresário Ramalho Souza Alves, foi alvo da Polícia Federal no âmbito da Fames-19, em agosto do ano passado. A operação investiga o desvio de recursos públicos na compra de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19, no Tocantins.

Ao defender o envio da verba, o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), que indicou a ONG Econacional, chegou a argumentar que o Ministério das Mulheres chancelou os repasses em dezembro, quando a pasta emitiu as notas de empenho para o pagamento das duas emendas de bancada.

Disse Fraga em 28 de janeiro: “O Ministério das Mulheres examinou o projeto, a Advocacia-Geral da União fez um pente-fino. Não existe absolutamente nada de ilegal. Estou muito tranquilo. Podem investigar à vontade”.

No início deste mês, contudo, o corpo técnico do Ministério das Mulheres analisou os projetos e reprovou tanto a emenda de R$ 11 milhões quanto a de R$ 15 milhões. A auditoria detectou que ambas as iniciativas, voltadas a mulheres, previam recursos muito altos com quase nenhuma capacidade de comprovação de que seriam bem-sucedidas.

Como o valor ainda não foi repassado à ONG, o governo federal decidiu agora cancelar o empenho dos recursos devido a “inconsistências na proposta técnica apresentada” pela Econacional. O limite para a reprovação era até o último sábado, 1º de fevereiro.

Antes de o governo federal enterrar o repasse, a coluna procurou Fraga para esclarecer a escolha de uma ONG de Alagoas para prestar serviço em Brasília. E, ainda, o fato de a sede da organização ser usada, na verdade, como órgão da Prefeitura de Maceió, comandada pelo prefeito João Henrique Caldas, filiado ao mesmo partido político de Fraga, o PL.

O parlamentar e a própria ONG não informaram se a Econacional possui funcionários ou estrutura física no Distrito Federal para realizar os serviços que estavam previstos nos contratos.

Questionado sobre quais outros políticos apadrinharam o projeto via emenda de bancada do DF, Fraga disse que a ideia era dele e de mais dois deputados, dos quais disse não lembrar os nomes. As emendas de bancadas não possuem origem clara que permita identificar os autores das indicações.

O que diz o parecer

A área técnica do Ministério das Mulheres afirmou que a ONG Econacional não respondeu a diversos questionamentos da pasta sobre os dois projetos, que visavam capacitar mulheres em situação de vulnerabilidade no Distrito Federal.

De acordo com o relatório, a entidade não apontou “quais vulnerabilidades socioeconômicas serão levadas em consideração na captação das beneficiárias” e não apresentou “como será realizada a busca ativa” das mulheres, ou mesmo quais estratégias serão utilizadas para qualificar e localizar o público-alvo da ação.

Outro ponto destacado pelo documento é que a ONG não respondeu como fará o monitoramento de empregabilidade das participantes, “visto que a proposta do projeto é de ser ‘itinerante’”, nem “como será feito o acompanhamento das turmas iniciais após passar pela metade das cidades”.

Também não há informações sobre como “seriam as parcerias do projeto, tendo em vista que o número de beneficiárias é alto e há necessidade de emprego de uma rede que dê conta de absorver a mão de obra que será capacitada”.

A área técnica ainda solicitou que a ONG apresentasse três propostas orçamentárias, como forma de comprovar a pesquisa de preço em três empresas, até 31/1. A entidade encaminhou vários orçamentos na Plataforma Transferegov, terminando às 13h05, descumprindo os prazos. “Não foram encaminhadas as 3 propostas necessárias à verificação da execução dos preços no mercado”, diz o parecer.

Ainda segundo o documento, a ONG não informou como serão identificadas as mulheres chefes de família monoparentais [quando só há a mãe] ou mesmo “quais aspectos da vulnerabilidade social serão utilizados no recrutamento”. A pasta também aponta ausência de informações sobre “como será o recrutamento de mulheres vítimas de violência, visto que esse público vive uma realidade de proteção especial”, sem possibilidade de identificação.

“Em retorno às perguntas apresentadas pela área técnica, a entidade apenas colocou em negrito, no plano de trabalho, a palavra ‘autodeclarada’ no item das chefas de família; colocou em negrito a frase ‘baixo nível de renda’, sem justificar como esse critério seria identificado; no item de mulheres em situação de violência, informou que buscariam parcerias com a delegacia”, finalizou o parecer.

Metrópoles

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