Transição energética tem mapa trilionário de investimentos

Dono de uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, o Brasil quer manter sua liderança em energia renovável e de baixa emissão ao longo da próxima década, período em que são esperados investimentos da ordem de R$ 3,2 trilhões. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), a aposta é na expansão da geração a partir de fontes solar e eólica, além do avanço do hidrogênio verde e do armazenamento de energia em baterias.

Além de atender à demanda interna, novas fontes verdes podem ajudar a posicionar o Brasil como fornecedor estratégico no mercado internacional, vendendo matéria-prima para hidrogênio verde e biocombustíveis. Entre os projetos, a tendência é que as companhias de energia invistam mais em soluções híbridas, combinando tecnologias para ganhar eficiência.

Com a expectativa de que a oferta interna de energia cresça cerca de 25% nos próximos dez anos, a meta é manter a participação das fontes com menor emissão de gases causadores do efeito estufa em 85% da matriz elétrica.

— Seguiremos avançando rumo a uma transição energética justa, inclusiva e equilibrada, que vai garantir ainda mais renovabilidade nas nossas matrizes — destacou Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia.

Desafio dos juros

O avanço das fontes renováveis no Brasil deve ganhar fôlego com a ampliação dos aportes internacionais. Segundo o MME, o país tem acesso a financiamento de R$ 1,3 bilhão por meio do Fundo de Investimentos Climático (CIF), voltado à ampliação de tecnologias limpas, como hidrogênio de baixa emissão e materiais com menor pegada de carbono. A expectativa é que cada dólar investido pelo CIF atraia até US$ 12 em financiamento, especialmente do setor privado.

Filipe Bonaldo, head da consultoria A&M Infra, lembra que, só em 2024, foram R$ 80 bilhões investidos em energia renovável. Ele destaca que, agora, as baterias começam a fazer parte do “mix de soluções”, em conjunto com fontes como a solar.

Combate às mudanças climáticas

— A energia solar estará cada vez mais presente e terá a liderança dos investimentos em renováveis pelos próximos cinco anos, por causa da redução dos preços dos painéis — afirmou.

Apesar das projeções positivas, Bonaldo destaca desafios, como juros altos, que podem dificultar os projetos de infraestrutura:

— Enquanto os juros estiverem em patamar elevado, os investidores vão segurar investimentos. Temos um cenário de oferta elevada de energia, com demanda em áreas onde não conseguimos levar a energia por causa dos desafios que temos na transmissão.

Márcio Trannin, vice-presidente da Absolar, lembra que os investimentos no setor são crescentes. Só em 2024, diz, foram R$ 55 bilhões em aportes, alta de 30% em relação ao ano anterior. O executivo lembra que a energia solar pode ser instalada em conjunto com outras fontes, como as hídricas, eólicas e baterias:

— Por isso, a tendência é que esse crescimento continue, com a fonte solar sendo a protagonista da ampliação das energias renováveis. Os preços estão competitivos, e há a vantagem da modularidade, atendendo a grandes e pequenos consumidores. É uma fonte democrática.

Outra fonte que promete ganhar espaço na matriz é o hidrogênio. Segundo Leandro Borgo, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Hidrogênio e Amônia Verdes (Abhav), já foram anunciados mais de US$ 30 bilhões em projetos de hidrogênio verde:

— O Brasil será competitivo no hidrogênio de baixo carbono e responderá por cerca de 10% do mercado internacional. A geografia brasileira favorece esse cenário. Nós nos tornamos atrativos por possuirmos matriz energética limpa e diversificada, com mais de 80% da eletricidade oriunda de fontes renováveis. Isso permite produzir hidrogênio verde a custos competitivos e com baixa emissão de carbono.

Estratégia integrada

Além do hidrogênio verde, o hidrogênio azul — produzido a partir do gás natural — pode representar uma etapa de transição, aproveitando o potencial do pré-sal, afirma Adriane Silva, conselheira da Abhav e diretora comercial da IBV, de energia. É o caso da Petrobras, que pretende fazer investimentos nesse segmento.

— Temos uma oportunidade de transformar a energia que hoje é desperdiçada. Isso vai consolidar a liderança do Brasil no cenário global. Mas, para equilibrar essas matrizes, é fundamental investir em linhas de transmissão, sistemas de distribuição modernos e marcos regulatórios que incentivem a integração, a resposta à demanda e a inovação — afirmou Adriane.

Especialistas citam o impulso de políticas como o programa Gás para Empregar, o Marco Legal do Hidrogênio, o avanço dos biocombustíveis e a recém-aprovada Lei do Combustível do Futuro, que incentiva o uso de matérias-primas renováveis na composição do diesel e do querosene de aviação. Segundo a EPE, o arcabouço legal-regulatório e a estrutura de governança no setor energético estabelecem “um ponto de partida consistente para o aperfeiçoamento e construção de políticas públicas adicionais que reforcem a trajetória da transição energética brasileira”.

Bruna de Barros Correia, sócia de Energia do BMA Advogados, cita a legislação voltada para o hidrogênio verde, que, segundo ela, vai permitir atrair investidores. Ela ressalta que a liderança do país no cenário internacional será fortalecida com a organização da COP30 e a presidência do G20, permitindo ao Brasil pautar a governança global da transição.

— Enquanto grandes economias buscam acelerar suas transições enfrentando desafios internos, o Brasil já se posiciona como uma plataforma viável, com ativos naturais ricos e políticas alinhadas às demandas globais de descarbonização e sustentabilidade.

Segundo Bruna, o país precisa criar estratégia integrada entre diversas fontes, de forma a valorizar a complementação. Ela cita o caso das usinas hidrelétricas, que, com sua capacidade de armazenamento, podem atuar como reguladoras do sistema, garantindo estabilidade, já que fontes intermitentes como a solar e a eólica apresentam variações:

— E temos o uso de baterias e outras tecnologias de armazenamento de energia, que podem ser a chave para assegurar oferta contínua e confiável. A produção de hidrogênio verde representa uma oportunidade estratégica para armazenar o excedente de energia renovável e atender a setores de difícil eletrificação, como o transporte pesado e indústrias.

Matriz limpa incentiva a diversificação

De olho na agenda verde, as empresas apostam na diversificação. A Neoenergia, por exemplo, que já conta com parques eólicos, solares e hidrelétricas, iniciou, em abril, a construção de usina de hidrogênio verde em Taguatinga, no Distrito Federal. A planta funcionará como ponto de abastecimento para uma pequena frota de veículos leves e pesados, com investimento superior a R$ 30 milhões.

— A inauguração está prevista para outubro. A unidade será alimentada por usina fotovoltaica e servirá para demonstrar a aplicação de tecnologia inovadora voltada à descarbonização de setores de difícil eletrificação, como transporte automotivo — diz Tatsumi Igarashi, gerente de Hidrogênio Verde da Neoenergia.

Para Emerson Souza, vice-presidente de Relações Institucionais da Brazil Iron Mineração, o país se consolida como potência em energia renovável. Ele destaca a posição favorável para o hidrogênio verde e derivados, como amônia verde e metanol verde. A companhia está investindo R$ 5,7 bilhões na Bahia para produzir hidrogênio em escala e utilizar fontes limpas na produção de um “ferro verde”.

— O país conta com recursos renováveis baratos e em escala para descarbonizar suas próprias indústrias, como a siderurgia, a química e a naval, além das de outros continentes, como Europa e Ásia.

A Statkraft, maior geradora de energia renovável da Europa, está ampliando investimentos no Brasil com projetos híbridos. Thiago Tomazzoli, diretor-presidente da empresa no país, cita a construção de um complexo solar na Bahia com um sistema conjunto de armazenamento por baterias. Há ainda um parque eólico e solar combinados no estado:

— Só na Bahia, os investimentos ultrapassaram R$ 3,3 bilhões nos últimos cinco anos. Temos 24 ativos de geração de energia eólica e hidrelétrica em nove estados. O Brasil precisa continuar investindo em fontes renováveis, com foco em inovação e pesquisa, desenvolvendo e adotando tecnologias de ponta como sistemas híbridos e armazenamento por baterias.

Diretora da COP30 cobra participação de empresas no combate às mudanças climáticas:

A Helexia, que investiu mais de R$ 1,6 bilhão no país, captou R$ 170 milhões, por meio de emissão de debêntures (títulos), para implantar 21 projetos de geração distribuída solar em estados como Amazonas, Tocantins, Ceará, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

— Ao contrário do que ocorre na Europa, aqui temos muito espaço para implantação de projetos de geração distribuída solar e eólica. A vocação do Brasil é sua matriz descarbonizada, que ajuda a atrair investimentos industriais e tecnológicos que possam se beneficiar dessa fonte de energia barata — diz Aurélien Maudonnet, CEO da Helexia Brasil.

A Eneva, dona de parque de térmicas movidas a gás natural, mira na diversificação. A empresa conta com parque solar na Bahia com capacidade para atender 1,7 milhão de pessoas. Aurélio Amaral, diretor-executivo da companhia, destacou o plano de desenvolvimento com mais de R$ 11 bilhões em investimentos até 2030:

— O Brasil tem se destacado como um dos principais destinos para investimentos em fontes de energia renovável e transição energética devido à matriz sustentável e à abundância de recursos naturais. A geração hidrelétrica desempenhou papel central, proporcionando equilíbrio ao sistema. Nos últimos anos, o país registrou crescimento acelerado de fontes intermitentes, como solar e eólica. É essencial que a geração renovável intermitente seja complementada por termelétricas flexíveis a gás.

A Acelen, que comprou uma refinaria da Petrobras na Bahia, vem ampliando a atuação renovável com a Acelen Renováveis. Além da construção de unidade solar para abastecer a refinaria, ela mira em combustíveis renováveis a partir de plantas como a macaúba.

— Vamos investir mais de US$ 3 bilhões na primeira unidade integrada para produção de combustíveis renováveis. A projeção é multiplicar o modelo, chegando a cinco unidades — afirma Luiz de Mendonça, CEO da Acelen.

D1 com O Globo

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