A União Europeia avalia medidas drásticas contra os Estados Unidos, incluindo a possibilidade — ainda incerta juridicamente — de expulsá-los da Organização Mundial do Comércio (OMC). A revelação foi feita por Bernd Lange, presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, em entrevista a Carlos Eduardo Valim, do Estadão. Segundo ele, o comportamento recorrente dos EUA, especialmente sob a liderança de Donald Trump, tem comprometido o funcionamento da OMC e desequilibrado o sistema global de comércio.
Desde 2019, os EUA vêm bloqueando nomeações para o Órgão de Apelação da OMC, impedindo que decisões comerciais tenham validade prática. “O mecanismo está paralisado. Só no último mês, os EUA bloquearam pela 86ª vez a indicação de um juiz”, afirmou Lange. Além disso, os americanos estariam há dois anos sem repassar os recursos financeiros devidos à organização.
Diante disso, a União Europeia pretende liderar uma frente internacional para proteger o comércio multilateral, buscar aliados estratégicos — como Brasil, Índia e Indonésia — e, se necessário, responder com duras sanções econômicas. “Trump está usando tarifas não como instrumento econômico, mas como arma de coerção política”, alertou o dirigente europeu.
Ameaças ao Brasil e resposta da UE
O Brasil é um dos países diretamente atingidos pela nova ofensiva tarifária dos EUA. A investigação aberta pelo governo Trump, com base na seção 301, mira a regulação digital brasileira, e representa, segundo Lange, uma tentativa de impor regras unilaterais à força.
Para se defender, a União Europeia reforçou seu arsenal legal com o ACI (Instrumento Anticoerção), aprovado em 2023. A ferramenta permite reagir com uma variedade de medidas — desde tarifas adicionais a bloqueios de propriedade intelectual, passando por restrições em compras governamentais. “Temos uma cesta grande de instrumentos, e estamos prontos para usá-los de forma tática”, afirmou.
Como exemplo, Lange cita pacotes de retaliação já preparados: € 22 bilhões contra produtos americanos em resposta a tarifas ilegais sobre o aço, outros € 72 bilhões caso haja sanções sobre automóveis europeus e, em última instância, novas taxas digitais que impactariam diretamente gigantes como Google, Meta e Amazon.
Interesses fiscais e imprevisibilidade
Para o parlamentar alemão, o objetivo oculto de Trump seria gerar receitas para financiar um ambicioso pacote econômico interno — o chamado One Big Beautiful Bill, que adicionaria US$ 3,3 trilhões à dívida pública americana. “A nova tarifa-base e outras medidas podem gerar € 100 bilhões por ano só da União Europeia”, estima Lange.
Além da motivação fiscal, a forma como as decisões são tomadas em Washington preocupa. “Os próprios negociadores americanos admitem que tudo depende da palavra final do presidente. Às vezes, Trump liga para amigos e toma decisões com base nisso”, relatou.
Expulsão dos EUA da OMC: possibilidade real?
Embora reconheça que ainda não há clareza jurídica sobre a viabilidade de expulsar os Estados Unidos da OMC, Bernd Lange afirma que a ideia já está em debate em círculos internacionais. A razão: os EUA, apesar de serem fundadores e peças-chave da organização, estariam hoje mais comprometidos em sabotá-la do que em fortalecê-la.
A próxima reunião ministerial da OMC, marcada para março de 2026 em Camarões, é vista pela Europa como um momento decisivo. “Precisamos de um sinal claro de que o sistema multilateral ainda pode funcionar”, concluiu Lange.
D1 com O Norte Onlina